Os labirintos do eu Narciso

Nos labirintos de nosso eu, todos nós temos uma dimensão inconsciente que quanto mais a fizermos conscientes, melhor viveremos. No entanto, há, segundo a psicanálise, uma dimensão do inconsciente que não podemos acessar. Nela se esconde o que Freud denominou marcas da memória. As chamadas marcas da memória são, muitas vezes, responsáveis pelo hábito que algumas pessoas podem desenvolver de culpar os outros pelo mal que lhes acontece ou pela infelicidade que elas cultivam. As marcas da memória só podem ser conhecidas quando acessadas; quando isso acontece, é possível saná-las e, certamente, viver bem melhor.

As cargas pesadas de nossa história podem fazer a vida insuportável para nós e para quem vive ao nosso redor. Passamos a nos incomodar com o sucesso, o afeto e a alegria que as pessoas dão às outras. A dor que esta realidade provoca em nós pode nos levar a querer até mesmo destruir o outro, porque a felicidade e o bem-estar deles ou delas tocam feridas que doem, mesmo que não consigamos dar nome.

Realidades assim vividas podem fazer que andemos mendigando aplausos, reconhecimento, ou que passarmos a vida mascarando nossa dor, contando aos outros apenas sucessos, colocando neles mais brilho do que o real, buscando patamares sempre altos onde possamos estar em destaque, sentindo incômodo quando temos de realizar tarefas mais simples ou que consideramos silenciosas demais para o desejo de aparência.

 Talvez você já tenha conversado com pessoas que se passam o tempo dizendo de suas glórias, exaltando sua própria inteligência, desfilando suas conquistas e fazendo questão de dizer que nunca precisaram da ajuda dos outros para chegarem onde estão. No fundo estão se   escondendo das marcas que permanecem inconscientes e causam dor, quando acessadas de alguma forma; querem mostrar a todo custo que podem
, que resistem, que são boas, intelectualmente bem dotadas. Há quem viva sorrindo, segurando-se nos cargos ou postos de relevância que ocupa, no mais profundo de si, sangra em lágrimas.

O que Freud denominou marcas da memória pode também levar ao aprisionamento no ego. É esta prisão que leva à dependência infantilizada do merecimento, da necessidade de aplauso, da ânsia pelos primeiros lugares – um permanente estado narcísico, que pode, consequentemente, levar a uma permanente e corrosiva insatisfação, tornando-nos pessoas ingratas pelo mínimo que recebemos da vida. O narcisismo é a “patologia” do autocentramento, que Amadeo Cencini o denomina “um dos maiores males da sociedade”. Segundo ele, o narcisista é, no fundo, alguém que pensa que deve colocar-se no centro porque não se sente suficientemente amado.  

O narcisismo nos faz viver na angústia do querer sempre mais, buscando honras, reconhecimento, felicitações, que por não chegarem como são desejadas, deixam feridas e ressentimentos. O ressentimento, por sua vez, impede a capacidade de desenvolver a resiliência, protagoniza a dor e pode fazer de nós pessoas insuportáveis. O antídoto contra esta “patologia da alma” é a experiência fundamental na vida humana, do amor e do eterno.


Petição: faz-nos livres, Senhor, das feridas, das marcas da memória que nos levam a viver em expectativas de aplausos  e recompensas. Ensina-nos o caminho da genuína resiliência, aquela que se vive por opção e decisão de vida, não a que se confunde com o narcisismo de querer provar poder e idolatrar aparências, mas não nos livra do vazio interior.

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